A recordação de cada um

6 Jun

Este texto de Antonio Prata, publicado no site da Folha, descreve em outras palavras as coisas que eu sinto quando estou lá, no Instagram. Sigo gente legal, sites cool, vejo coisas lindas. Mas gosto mesmo de um detalhe. Embora muita gente ache que um prato de comida é detalhe, os detalhes que me agradam são outros.

A maioria das fotos do meu smartphone nunca vão para o Instagram. São detalhes. Alguém dormindo. Um lugarzinho do trabalho que eu gosto. Pra quem olha, elas não representam nada. Pra mim, são um detalhe importante da minha vida. Registro porque o tempo é bandido, a gente sabe, já não consigo lembrar com muitos detalhes de coisas que aconteceram 10 anos atrás, às vezes até menos. A parte boa é que memória é uma coisa particular, cada um junta seus registros, monta seu próprio álbum mental – por isso adoro quando alguém começa um assunto com “lembra daquela vez?”. Se eu não lembrar, a pessoa lembra; se eu lembrar, ela tem outros detalhes.

Muitos detalhes da minha vida ficaram registrados nos meus antigos blogs. À época, me incomodava um pouco por ser confessional demais, pessoal demais, emotiva demais. Hoje, relendo as coisas daqueles tempos, acho que fiz bem: consegui registrar detalhes que não poderiam ser guardados de outra forma, e que certamente ficariam esquecidos com o passar do tempo.

Para quem ainda não sabe, alguns destes textos – que são memórias e que são detalhes – vão virar um livro. O livro vai ser ilustrado pelo meu amigo Claudio Yuge. Primeiro, porque gosto muito dos traços, mesmo os brutos (que ele chama de rabiscos). Depois, porque ele deve lembrar de detalhes que complementam as lembranças dos meus textos. É pessoal, é confessional, é emocional; mas o que está naquelas linhas serve pra todo mundo. Situações tão banais, dores, separações, essas coisas que marcam muito na hora mas que depois viram uma única frase. “Uma vez sofri tanto que achei que ia morrer” – às vezes, as histórias mais belas e marcantes da nossa vida se resumem a uma frase assim. Culpa do tempo, da memória, dos detalhes perdidos. Com tudo escrito e desenhado, os detalhes ficam ali, impressos, pra sempre. O papel pode amarelar daqui a uma, duas ou três décadas. Mas vai continuar sendo um papel cheio de detalhes.

Aguardem novidades.

Image

Dez anos depois

9 May

 

Entendo perfeitamente quando entro em um dos blogs favoritos e, de cara, encontro um pedido de desculpas. “Gente, desculpem pela demora em atualizar, mas as coisas ainda super corridas”.  Entendo perfeitamente, vejam bem:  último post aqui data de 28 de fevereiro. Entendo, mas é uma mentira. De uns anos pra cá a vida de todo mundo ficou corrida. Só que todo mundo continua fazendo suas coisas: trabalhando, dormindo, comendo, tomando cerveja, indo ao cinema. E se as pessoas passassem menos tempo jogando Candy Crush, os blogs seriam atualizados com mais frequência.

Não vai mais acontecer. Não comigo. Eu acho.

 Que tal aproveitar o retorno para ler um texto escrito há  10 anos atrás no falecido Tipos?

 21.05.03

Eu quero um amor

Que não vá embora. Que não me faça fugir. Que nunca dê tchau, que sempre deseje boa noite, que ouça Billy Corgan, que me mostre coisas novas, que goste de café com leite e muito açúcar. Que me garanta que vai estar sempre por perto, que goste de banho bem quente, que tenha preguiça às vezes, que fiquei rouco às vezes, que fique doente às vezes, que cuide de mim às vezes. 

Que goste de cachorro vira-lata,  que não goste de criar galinhas, que ainda não tenha andado a cavalo, que tenha um pouco de medo de avião, que queira fazer um cruzeiro, que goste de praia mas não muito, que goste de sol mas prefira estrelas, que seja um pouco curioso, um pouco inseguro e um pouco de lua. 

Que assista seriados bobos, que durma durante a novela das oito, que suporte minha TPM, que ronque só um pouquinho, que dirija, que ande de bicicleta, que não saiba patinar e que nunca tenha andado de skate. 

Que não viva sem música, mas também que adore viver em silêncio.Que vá ao supermercado e compre: mousse de chocolate, granola, melão, torradas, patê, choco krispis. 

Que chegue na hora, que às vezes prefira esperar mais um pouco, que ATIRE COISAS VELHAS PELA JANELA

trilha sonora: Smashing Pumpkins- Tonight, tonight 

*

Dez anos depois: o amor já chegou há algum tempo. Por isso que eu sempre digo para os outros que sim, eu acredito no amor, que tudo tem sua hora, que toda panela tem sua tampa. A gente só precisa saber esperar – e prestar atenção nos detalhes.

Resignação

28 Feb

 

Aquelas fases da vida em que é preciso se apegar às pequenas coisas para que as grandes coisas pareçam menores do que são.

Fiquei alguns dias pesquisando e lendo aqueles artigos bobos que falam que a gente tem mais do que precisa, que o problema é que o ser humano é muito materialista e ambicioso. Pois bem: eu, sem ambição, sou um zero à esquerda. Não sirvo pra ser conformista.

Estou mesmo sempre querendo mais: mais dinheiro, mais cores nas paredes da minha casa, mais roupas que me sirvam, mais um parzinho de sapatos, mais horas para dormir e, por quê não?, um pouco mais de felicidade.

Aí fui ler os artigos bobos que falam que a felicidade está dentro de nós e bla bla blá. Eu mesma devo ter escrito isso em algum momento da vida – certamente porque a felicidade já deve ter passado por aqui algum dia.

O que sobra nestes dias, diante da eterna equação querer ser feliz X ser feliz efetivamente, é uma única palavra: resignação. O texto começa nela e termina nela, e não chega a conclusão alguma sobre nada.

Pausa.

28 Jan

Em um ano, duas mudanças. Esta última pra melhor, mas a mais difícil: há dez dias metade da cozinha está em caixas, de modo que receber pessoas ou preparar coisas mais elaboradas ficou difícil. Por três dias não tínhamos água quente – até aí tudo bem, afinal estamos no verão e o banho pode ser mais frio.  Não: estamos no verão curitibano, o banho por aqui não pode ser frio. Pessoal da tevê a cabo fez alguma nhaca na instalação no apê novo, de modo que não funciona o HD. Estamos há dez dias assistindo tudo numa tevê mínima, de 14 polegadas. E tudo isso em um apartamento que ainda não é o nosso – afinal é muito difícil trabalhar, juntar uma grana para dar entrada e depois passar a vida pagando o resto.

As férias acabaram há menos de um mês e a rotina já consome de tal forma que parece que faz muito mais tempo. Das férias ficaram somente três coisas: um bronzeado desbotado, uns quilos dentro da calça jeans e uma pontada de decepção pelo conjunto da obra do réveillon.

Em meio a tudo isso as contas não param de chegar, é claro. Há muitas delas a pagar, sempre. Pequenos problemas profissionais, pessoais e domésticos a resolver.

Tudo isso aí é o cenário perfeito para que uma ansiosa compulsiva como eu perca o sono, tome litros de floral e comece a roer unhas, coisa que nunca fiz.

Mas pela primeira vez na vida eu sinto que realmente me comovo com coisas maiores e vejo meus problemas do tamanho que eles são: mínimos. Começa com uma amiga muito próxima e um problema de saúde bem sério em sua família, termina com um incêndio horrível em uma boate em Santa Maria.

A vida é muito maior do que nossos problemas mundanos – e não há nada mais mundano do que usar o discurso cansado de que “os nossos problemas são sempre maiores, porque são nossos”.  Sua cozinha pode estar em caixas, sua tevê a cabo não funciona, o salto do sapato quebrou e você não sabe se vai viajar no carnaval. Só que você está viva e saudável para resolver tudo isso. É realmente muito egoísta de nossa parte achar que estes problemas são os maiores do mundo. Me sinto fútil a  maior parte do tempo.

João e Maria. Quase uma poesia.

24 Jan

João amava Maria que não amava ninguém.

Então João passou a amar Ana também.

E Maria começou a amar João, enquanto Ana ainda não amava ninguém.

Ana se apaixonou por João depois de dois meses.

João já nem sabia se amava mais Ana ou Maria.

Maria conheceu Luis e ficou dividida.
Não sabia qual deles queria pra sua vida.

Ana, amando João, queria que ele lhe pedisse a mão.
Mas João, dividido entre Ana e Maria, já não sabia.

Naquela sexta-feira ensolarada, João foi trabalhar à pé. Na volta pra casa, um ônibus desgovernado subiu na calçada.  João acabou ali, com a perna quebrada.

Maria, desesperada, foi correndo pro hospital. Ana não pôde ir – era véspera de carnaval.

Na saída da emergência, Maria tomou um táxi. Meia hora depois, o táxi caiu na ribanceira e acabou com uma vida inteira.

Ao saber do ocorrido, João ficou deprimido. Chorou três dias e três noites sem parar.  Ana veio lhe falar. João descobriu que amava Maria. Mas ela já não existia.

Em resumo, a vida é muito curta pra não ficar com quem a gente ama. Fim.

joaoemaria

Imagem: We Heart It

 

A má educação

23 Jan

Precisava pagar uma conta na lotérica. Tenho certo pavor de ter que “pagar contas” fisicamente – pra mim o bankline é uma das melhores coisas que a internet trouxe. Mas essa eu tinha que pagar na lotérica. Cheguei bem cedinho, antes do trabalho, fila pequena. Paguei a conta e a moça do guichê tinha que me dar R$ 1,40 de troco. Eu estava com um pouco de sono, um pouco de pressa, fui saindo da lotérica e já na porta lembrei: meu troco. Voltei para o guichê, olhei para a moça e falei: “ops, esqueci meu troco”. Ao que ela gentilmente (só que não) respondeu: “também, você saiu correndo” –  assim mesmo, de uma forma grosseira, muito mais que um mau humor matinal.

Eu não sei dos seus problemas. Se tinha algum motivo específico para ela me tratar daquele jeito – mas entendo que não. Não importa o tamanho do problema, eu não tinha nada a ver com ele. Aquela falta de educação acabou com a minha manhã e me deixou sentida: eu só queria meu troco.

Sou o tipo de pessoa que se magoa com o mau jeito dos outros. Se houve intenção ou se foi despropositado não me interessa: posso não ser a miss simpatia, mas tenho o mínimo de educação. Ser mal atendida em qualquer lugar, receber respostas tortas para coisas corriqueiras, gente que manda emails sem um “olá”: fico sentida, fico magoada.

A parte boa disso – sim, ela existe – é que algumas mágoas eu consegui superar ao longo dos anos. Ficava chateadíssima quando as pessoas me chamavam num chat, falavam o que queriam, faziam suas perguntas e desligavam sem dar tchau.  Ainda mais quando sabia que a pessoa não era lá muito ocupada, do tipo que o chefe liga e ela precisa sair correndo para atender. Hoje em dia dou o troco na mesma moeda: me dá na telha, eu fecho o chat e vou cuidar da vida.

Enfim. O fato é que a vida nos obriga a mudar. E nem sempre é pra melhor.

Este ano deu trabalho…

20 Dec

Quando pensei em fazer um balanço de 2012, só me vinha à cabeça uma coisa: “trabalhei”.

Trabalhei, gente, este ano trabalhei muito. E tô aqui, a um dia das férias, pensando como a gente julga mal este verbo: trabalhar. Como se ele fosse um fardo, um peso, a pior obrigação do mundo. Oras bolas – trabalhar não há de ser tão ruim assim, viu?

Em 2012 aconteceram coisas legais – e meu trabalho foi a fonte de muitas delas.  O trabalho me permitiu ter uma vida bacana: longe de ser milionária, mas cada vez mais perto de ser tranquila. Trabalhei pra poder pagar minha tevê a cabo e passar domingos e feriados escolhendo filmes. Trabalhei pra poder ir no cinema e comprar o maior balde de pipoca. Trabalhei pra poder comprar coisas para a casa, fazer comidas gostosas para o jantar, pra poder pegar táxi nos dias de chuva.  Pra poder passar o final de semana na praia, comprar um sapato amarelo e um laranja ao mesmo tempo; trocar de carro, trabalhei pra me encantar com roupas na vitrine, entrar na loja e provar e gostar e levar. Trabalhei pra ter um iPhone, uma caixa de esmaltes com cores variadas, pra jantar várias vezes no Temaki. Trabalhei pra ter o essencial – e, por quê não?, um pouco de luxo. É pra isso que a gente trabalha: pra viver do jeito que a gente quer.

Trabalhei pra poder chegar em casa cansada e abrir uma cerveja enquanto assistia a cidade se movimentando pela janela. Trabalhei pra poder ir no bar depois do expediente, encontrar as amigas, gastar 100 reais num boteco sem culpa, tomar sangria a tarde toda num feriado e comer camarão na beira da praia.  Trabalhei tanto que não senti a menor culpa ao recusar convites, perder festas, dormir um dia inteiro: trabalhar dá trabalho e a gente precisa dar um jeito, achar tempo livre pra fazer nada. Trabalhei pra dar mais valor a cada hora de almoço, a cada final de semana. No trabalho também conheci pessoas que se tornaram essenciais na minha vida. No trabalho  reconheci minhas qualidades e enfrentei meus defeitos. Em 2012 eu trabalhei muito pra me sentir útil, reconhecida, pra ser valorizada, admirada e respeitada.

Não trabalhei para juntar (quem sabe em 2013 eu consiga): trabalhei para aproveitar. E posso dizer que aproveitei.  Por isso em 2013 eu quero fazer muitas coisas – trabalhar é a principal delas, é o motor que faz a minha vida seguir em  frente.

Um 2013 com muito trabalho pra todo mundo – e muitas horas livres pra desfrutar também =)

Manifesto contra a banalização do amigo secreto

12 Dec

Texto publicado originalmente em novembro de 2007 – mas como bem lembrado pela Andreia; ideal para ser republicado agora,  época em que o amigo secreto vem assombrar os corredores das firmas.

Manifesto contra a banalização do amigo secreto

Ou seja, um manifesto impossível. Porque amigo secreto deveria ser feito entre AMIGOS. Para você comprar um presente legal para alguém que gosta. E receber um presente legal de alguém que gosta de você. Já não se fazem mais amigos secretos como antigamente…

Um dos clássicos é o amigo secreto da firma. É o auge da vergonha alheia. Você precisa participar, caso contrário já sabe: anti-social, pão-duro, pobrete. Em algum momento você vai viver isso, ter de gastar energia e dinheiro dentro de lojas atrás do presente do seu amigo-secreto. É tão secreto esse amigo que vocês nunca conversaram muito. Mal e mal dividem o mesmo ambiente dentro da empresa. Mas lá vai você, primeira parcela do 13º. na mão, comprar um CD com os hits da Jovem Pan ou um porta-guardanapos da Camicado. E já que quem está na chuva tem que se molhar, aproveite e compre um cartão brega onde poderá escrever seus votos de um excelente 2013  para seu “amigo”.

E o dia da revelação? Aquela mesa enorme dentro de um bar aleatório. É um grande feito, difícil juntar tanta gente sem afinidade alguma em um mesmo lugar – tirando o próprio escritório, claro. O assunto não varia muito: trabalho. Porque é a única coisa sobre a qual sabem conversar coletivamente. Vocês não gostam das mesmas músicas, filmes, lugares e pessoas. Com sorte, você terá um colega piadista sentado ao seu lado que fará a noite passar um pouco menos arrastada. O chefe vai falar umas bobagens, todo mundo vai sorrir (afinal, ele é o chefe) .

Depois de uns aperitivos típicos de firma, como tábua de frios e alexsander, chega o momento mais V.A. de todos: “meu amigo secreto é uma pessoa bastante quieta e inteligente”, a forma simpática de comunicar ao pessoal que você foi brindado, sorteou o nerd da equipe. “Minha amiga secreta é super expansiva”, outra forma educada de dizer que você sorteou a descompensada que xinga o marido em alto e bom som no meio do expediente. Pra completar o festival de constrangimento coletivo, é de bom tom aplaudir, puxar torcidinhas, enfim, fazer uma algazarra. Essa é fácil e você pode aproveitar o momento de zorra-total para tirar uma com a cara dos colegas malas. Basta ser criativo e bater na mesa, por exemplo:
“Meu amigo secreto gosta de se vestir bem e hoje usa camisa rosa”. Torcidinha = viadinho! viadinho! viadinho!
“Minha amiga secreta é muito bonita e inteligente”. Torcidinha = beija! beija! beija!
“Meu amigo secreto é uma pessoa mais do que especial e é meu chefe”. Torcidinha = puxa-saco! puxa-saco! puxa-saco!
“Minha amiga secreta foi promovida recentemente”. Torcidinha = xunxo! xunxo! xunxo!
[vou parar por aqui, estou me empolgando… mas enfim, viram como é fácil?]

Assim, no dia seguinte todo mundo vai ter assunto durante o trabalho: nooooossa, como tava divertido o nosso amigo secreto, nééééaamm???? Lá no seu íntimo, enquanto balança a cabeça concordando com a colega, você também dá graças porque aquilo tudo acabou e jura que no próximo ano estará fora da cafonice toda.

Ca.fo.ni.ce. Se você tem bom senso, também não gosta.

Ninguém gosta de amigo secreto na firma. Sério! Pesquisas indicam que dez entre cada dez amigos secretos corporativos foram idealizados e organizados por puxa-sacos, cabeças-de-vento ou pessoas com muito tempo ocioso durante o dia. O cara está ali, meio sem fazer nada, já preencheu planilhas, googleou as notícias do dia e de repente tem a brilhante ideia: ei, pessoal, vamos fazer um amigo secreto?

Ninguém gosta de pensar no tema, mas todo mundo fica naquele maldito bambolê social. Rola um silêncio sepulcral até que uma criatura resolve responder que sim e aí já viu. Você vai gastar dinheiro para presentear alguém que apenas tolera das 8h às 18h e receber um presente que, com sorte, vai parar na sua gaveta de “inutilidades que posso precisar um dia”.

Amigos secretos da firma não dão blusas legais, tênis novos ou uma coleção de esmaltes com as cores da estação. Não dão aquela cigarreira que você está namorando há meses, afinal fumar é feio e seria um presente politicamente incorreto. Amigos secretos da firma não dão CDs bacanas – no máximo, um vale presente, para você ir até o shopping reclamando da falta de criatividade alheia. Amigos secretos da firma não dão uma garrafa de vinho bom, um celular novo para substituir o seu que estragou. Não sabem nem a sua cor preferida, para ao menos te dar um bom par de meias. Não dão apetrechos bacanas para a sua cozinha, no máximo uma colher de pau genérica ou um cortador de bolos que, além de não combinar com o resto dos seus talheres, tem utilidade zero. Você não gosta de bolo. Amigos secretos da firma não dão perfumes, afinal é muito investimento em um colega que você gosta médio. Não dão nem mesmo sandálias havaianas, um clássico coringa – no máximo, uma katina surf feia e fora de moda. Não acertam nem mesmo na estampa do avental, caso resolvam dar algo realmente útil.

Obrigada.

30 Nov

dreams

O problema é que a gente não tem o hábito de agradecer, só de pedir. De uns tempos pra cá, tenho me policiado para ser mais grata e cobrar menos do mundo.

Acho que o posto de vítima não me cai bem: não sou uma pessoa sofrida. Tenho a casa (é alugada, mas é o lugar que chamo de casa), o carro, o marido, o trabalho. Minha cama é o melhor lugar do mundo. Adoro (e posso) passar o domingo inteiro no sofá, pijama e banho tomado, assistindo seriados com um único compromisso: fazer o melhor jantar do mundo.

A gente sempre acha que falta alguma coisa. E pior que sempre falta mesmo, né? Uma casa de verdade, um sofá maior, um jogo de toalhas novo, uma viagem bacana, um carro que não dê tanto problema. Também falta tempo, falta mais dinheiro, falta perder uns kg; falta ter companhia o tempo todo, falta o quintal pra criar dois cachorros. Falta tudo isso – mas na verdade, o que falta é compreensão. E não do tipo “ser compreendida”. Falta compreender. Tudo o que a gente tem, é porque merece: ou porque trabalhou pra ter, ou porque foi legal com alguém que te deu aquilo.

A gente recebe o que a gente dá. O ditado mais antigo do mundo certamente não existe à toa.

Às vezes a gente tem tudo e não vê, o que falta é olhar pra dentro mesmo. Agradecer. E se esforçar para ter mais. O mundo não está aqui pra nos servir. A gente é que tem que fazer alguma coisa pra servir nessa vida.

Imagem: We Heart it – Kiss the stars goodbye Tumblr

A história da Kiki

29 Nov

Verão de 1998.  Eu voltava do estágio, ainda era dia claro (viva o horário de verão). Um cãozinho me seguiu do ponto de ônibus até em casa. Achei que ele podia estar faminto, dei um pedaço de pão. No dia seguinte a cena se repetiu: desci do ônibus, o cão estava lá e me seguiu até em casa. Outro pedaço de pão. No terceiro dia foi diferente. O cão facilitou as coisas e me esperou no portão de casa mesmo. Desta vez, pão e água. A família toda estava na praia, lembro de ligar pra minha mãe e dizer: “tem um cachorro simpático que não sai da frente de casa”. Dias depois, descobri que não era um cão – era uma cadelinha. Foi pro veterinário, tomou banho, vacina, remédios e o inevitável aconteceu: ela passou pro outro lado do portão, com o meu total consentimento.

A gente tinha outra cadela em casa, a Pink. Mas ela estava de férias na praia junto com a família. Então a cadelinha nova achou que a casa para onde acabara de se mudar era só sua. A Pink voltou e foi aquela confusão: as duas não ficavam juntas sem um arranca-rabo (literalmente). Durante meses, ter dois cães foi um trampo – enquanto uma saía, a outra entrava, uma ficava na cozinha, a outra na sala. O importante era que nunca se cruzassem. A Pink, que já era velhinha, adoeceu e morreu.

A Kiki – sim, este ficou sendo o nome da “nova” cadelinha da casa – não sentiu a menor falta, eu acho. Reinou absoluta por anos e anos. A família cresceu, os irmãos foram saindo de casa e a Kiki cada vez mais rainha daquele espaço. Virou a companheira inseparável da minha mãe, o tipo de cachorro que fica esperando na porta do banheiro enquanto o dono toma banho. Por um, cinco, dez anos… quatorze, pra ser mais exata.

Vou confessar para vocês que a Kiki não era assim um cachorro modelo, não. Além da antipatia por outros cães, ela também não fazia a menor questão de ser simpática com humanos – exceto com a minha mãe, é claro. Nunca foi o tipo de cão que faz festa quando alguém chega em casa. Pelo contrário: do seu cantinho no sofá, media cada visita com um olhar penetrante e um “sorriso” seguido de rosnado. Não era cachorro de colo, mas se você falasse com jeitinho “deite para coçar” ela logo virava a barriga pra cima: pronto, isto é o máximo que você terá de mim. Coce minha barriga e não me incomode. Ainda assim, lembro de todos os invernos que ela passou deitada no sofá do meu lado, esquentando os meus pés.

Dava para ouvir o barulho das suas patinhas pelo piso de madeira o dia todo: onde minha mãe ia, a bichinha ia junto. Tic, tic, tic, tic, tic, tic. O tipo de barulho que você se acostuma de tal forma que nem percebe mais… mas quando silencia, faz uma falta danada.